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Além de argumentos, ousadia.


Mexendo nas gavetas para realizar aquela anual sessão de desapego, encontro esse crachá de fotógrafo. Engraçado, de imediato não vem na lembrança onde o recebi. Nesse momento não ligo para isso, porque minha cabeça começa a ser invadida por muitas lembranças pós-formatura em comunicação.

De repente me dou conta que por um determinado período eu tive, também, a função de fotógrafa. Por que será que meu cérebro não registrou isso como relevante? Bom, o que ficou registrado foi a adoração por fotografar, o que nunca mais fiz. Pelo menos não com uma câmera decente. Claro que não considero “tirar foto” com o celular fotografar. Isso não faz ninguém um fotógrafo, nem como amador.

E as conexões neurais vão fazendo seu trabalho e me trazem inúmeras imagens registradas, principalmente as da época em que fui repórter de uma revista voltada à comunidade árabe em São Paulo. Ainda recém-formada jornalista eu era a típica foca na redação, assim como muitas outras que passaram pela editora de pequeno porte, fazia de tudo um pouco. “Pouco” é modo gentil de dizer que a gente ralava muito.

Daí eu ter tido a oportunidade de colocar em prática o conhecimento de fotografia trazido na bagagem da faculdade. Pronto, lembrei de onde vem o crachá. Da cobertura do velório do Ayrton Senna. Caramba, deu até um gelo pela coluna. As lembranças têm disso, trazem as sensações vividas na época.

Como jornalista o que mais me marcou nesse episódio foi aprender que não é porque o cara é dono da revista que ele tem a competência e visão de um editor, mesmo estando no cargo. Um acontecimento trágico que abalou o mundo e ele não queria inserir sequer uma linha a respeito na próxima edição. Argumentei sobre a relevância do que estava acontecendo, a repercussão internacional e a importância da revista em se mostrar atualizada e participativa nesses fatos históricos. Não dava simplesmente para ignorar o fato alegando que o Senna não tinha nenhuma ligação com a comunidade árabe. Foi quando lembrei de um argumento que ele não refutaria. O então prefeito Paulo Maluf iria ao velório prestar homenagens com sua comitiva. Pronto, agora tínhamos uma pauta, apesar dele continuar relutando. A família Maluf era retratada em praticamente todas as edições, assim como outras famílias tradicionais naquela época.

Homenagem a Ayrton Senna, Viaduto do Chá, SP

Peguei o equipamento, metrô, ônibus e fui sem saber se conseguiria entrar. Mostrei minha carteira de jornalista, recebi o crachá (olha ele aí!) e entrei. Fui andando pelos corredores seguindo as placas indicativas de “imprensa” e cheguei ao saguão. Havia um tipo de arquibancada montada onde ficavam todos os jornalistas. Repórteres, cinegrafistas, fotógrafos, assistentes, uma loucura. Muita gente para pouco espaço. Literalmente todo mundo se acotovelando para garantir um micro espaço e fazer imagens e dar informações ao vivo. Fiquei por algumas horas, aguardando o prefeito. Consegui fazer as fotos e fui embora.

No dia seguinte, ainda relutante em abrir espaço para publicar a matéria, argumentei sobre como a imagem da revista poderia ser prejudicada caso ignorasse o acontecimento. Tínhamos um público muito exigente e sensível. Conquistei um quarto de página, o que significa um pedacinho de nada considerando foto e texto. Publiquei, com foco em um dos representantes da comunidade árabe, nada mais nada menos, que o prefeito de uma das maiores cidades do mundo. Inserimos relevância e tivemos muitos elogios dos leitores. Mas o melhor mesmo foi o editor reconhecer que é preciso ter uma visão abrangente sobre o próprio negócio. E que ser dono do negócio, necessariamente, não o faz nem um bom editor, nem um bom líder.

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